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cidade Transprent

projeto 01: Central do Brasil, Aristóteles e a Verossimilhança

DISCUSSÃO TEÓRICA

Central do Brasil é um filme brasileiro, lançado em 1998 sob a direção de
Walter Salles e a história tem como personagem principal uma senhora de
nome Dora, uma ex-professora que ganha escrevendo cartas para
analfabetos. Certo dia, uma das clientes de Dora é atropelada por um ônibus
e acaba morrendo, deixando seu filho Josué sozinho. A partir dessa
premissa, Dora e Josué traçam um caminho lotado de infortúnios em busca
do pai de Josué para que o menino possa conhecê-lo. Em um primeiro
momento, existe uma grande reluta da parte de Dora em acolher o garoto;
embora ela não consiga evitar o sentimento de compaixão pela criança, em
diversos momentos ela demonstra desconforto e até raiva pelo pequeno,
principalmente quando o mesmo apresenta comportamentos tais como abrir
as gavetas de sua casa ou fazer muitas perguntas.
O elemento da tragédia se mostra presente na trama desde o início - o
garoto, que morava somente com a mãe e não tem parente algum na cidade,
presencia o acidente fatal de sua mãe logo no começo do filme - e é a
premissa fundamental para o desenvolvimento da história; todo o desenrolar
dos acontecimentos só é possível a partir desse acontecimento.
Diversos componentes presentes na trama podem trazer uma relação com a
poética aristotélica, iniciando pela tragédia acontecida. Também é notável a
questão da verossimilhança, pois apesar de não ser uma cópia factual da
realidade, o filme trata de diversos assuntos presentes na vida cotidiana do
povo brasileiro, tais como o abandono paterno.
Toda a ambientação do filme - desde a simplicidade das casas até o
movimento cotidiano das estações - é meticulosamente planejado para
despertar no espectador o sentido de pertencimento cotidiano, demonstrando
uma proximidade com a banalidade da vida cotidiana. O uso das câmeras
estáticas enquanto os transeuntes apressados passam pela multidão da
estação traz a sensação de movimento constante e uma certa vertigem,
inserindo o espectador dentro da situação. Além disso, a presença de
elementos que caracterizam o povo braisleiro estão presentes na trama,
justamente com a intenção de promover uma identificação na audiência.

As dores, sofrimentos e angústia dos personagens assumem tons pessoais,
doem naquele que vê. Seria por meio dessa dor empática que estaria
presente também um dos elementos fundamentais da tragédia, que é o
expurgo das emoções. Trata-se aqui de uma história dos homens
insignificantes e ridículos. Dora, que recebia o dinheiro das cartas sem
sequer enviá-las pelo correio, quase que a contragosto resolve acompanhar
Josué em sua jornada, que por sua vez é um menino sozinho, desbocado e
com pouca ou nenhuma instrução. Ao longo de toda a história não só o
menino é abandonado diversas vezes - primeiro pelo pai que não conhece,
pela mãe que morre e depois pela própria Dora que tenta vendê-lo e se
arrepende - mas Dora também se vê abandonada e solitária; longe de sua
única amiga, a senhora relata ter sido abandonada pelo pai, não tem marido
ou namorado e vê-se também abandonada ao demonstrar interesse no
caminhoneiro que propôs ajudar a dupla em sua viagem, a solidão sendo um
dos principais sofrimentos abordados.
A personagem de Dora é amarga, e muitas vezes se mostra impaciente com
o garoto, que, por sua vez, não conhece da vida e tem nela sua última
esperança de buscar pelo pai. Encaminhando-se ao fim da trama, vemos que
não há uma possibilidade de um final plenamente feliz, mas que de alguma
forma traz alívio. O garoto não encontra o pai, mas depara-se com irmãos
mais velhos, carpinteiros analfabetos que trabalham para poder reconquistar
o pouco que o pai alcoólatra havia perdido, e revelam o paradeiro do pai: este
teria ido para o Rio de Janeiro em busca de sua amada, mãe de Josué; Dora
então, abandona o garoto uma última vez. Enquanto o sol ainda está
nascendo, a senhora deixa a casa e, na cena final, escreve uma carta para
ele, dizendo temer que ele a esqueça. O garoto chora e corre, mas não
consegue alcançar o ônibus, trazendo naqueles que assistem uma sensação
de perda, mas ainda sim, um desfecho digno de causar emoção.

A finalidade da obra fez uma aproximação com a realidade de muitos brasileiros. O
ambiente e os aspectos caseiros são os elementos que nos aproximam dos personagens que se encontraram em uma situação à qual foi possível observar ao longo do filme, fez críticas à falta de políticas públicas, ao analfabetismo, fome, questões morais e a subsistência, com o objetivo de promover reflexão. A figura de Dora desconstrói vários aspectos femininos, ela se mostra independente e realista, amargurada porém disposta a ajudar a criança que passa por um evento traumático. O filme pode ser classificado dentro de alguns elementos citados pela poética aristotélica, tais como a aproximação do real - porém sem narrar fatos - , a presença da tragédia e também o sentimento de expurgo, no qual exprimimos sentimentos causados pela trama.

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